Entrevista com a maquilhadora Verónica Lema. Beleza, Cuidados e Make up: Do Uruguai para a Sephora Portugal
By Chiara Pussetti and Isabel Pires
Verónica Pose Lema é maquilhadora profissional (Intagram @veronicapose.makeup). Nascida no Uruguai, em Peso Pache, fez o curso de Medicina Veterinária em Montevideu. Conheceu o seu companheiro, Andrés, que lhe fez trocar a América do Sul por Portugal há 12 anos. Ainda realizou estágios na sua área profissional, mas a paixão pela arte e pela maquilhagem falaram mais alto. Tirou o curso de make up artista e há 10 anos que trabalha para a Sephora Portugal, estando hoje na sua equipa de formação, como National Make up artista e representante de Portugal na PROteam de Europa e Médio Oriente.
Mãe de Flor e Martim (9 e 6 anos), além da formação em técnicas de maquilhagem e vendas, tenta sempre contagiar as pessoas com a sua boa disposição e autoconfiança. Porque, como afirma, a maquilhagem trata-se também disso: “aprender a apreciar a nossa beleza única e autêntica”.
Beleza
- Achas que as novas tecnologias mediáticas influenciaram o que hoje achamos bonito?
Sim, o que consideramos bonito também varia muito de status, como mudou ao longo do tempo. Antigamente uma mulher muito magra era feio, podia até se associar a estar mais doente do que saudável... Nos anos 1950/60 eram mais cheiinhas.
Claro que a internet e a globalização do nosso mundo trouxeram coisas boas e trouxeram coisas más. Eu posso falar com a minha família a 10.000 km, mas há outras coisas menos boas... isto é bonito, toda a gente quer isso.
-E colocou mais pressão sobre as pessoas? Estar sempre bonita, sempre arranjada…
Sim, nós já não precisávamos disso como mulheres, ser mãe, mulher, amiga…estar sempre bonita e ainda por cima de saltos altos.
-A beleza tornou-se mais acessível?
Isso sim, há uma oferta incrível em batons... sei lá, bases, podes mesmo escolher, não só o acabamento, mas o que podes pagar por isso. Tens bases de 10, 15 euros, até de 60/80 euros, até é mais justo para que todas ou todos - porque agora também há homens que se maquilham - para que todas as pessoas consigam ter aquilo que elas querem.
- Uma das maquilhadoras que entrevistamos fala muito do estilo europeu que define os cânones hegemónicos de beleza e que de alguma forma foi estragado pela influência das América em geral, Brasil e Estados Unidos em particular. Qual a tua opinião, uma vez que tens uma visão transnacional de beleza?
Isso também depende. Há pouco tempo fui dar uma master classe em Uruguai e fiquei espantada com os trabalhos dos maquilhadores locais, a influencia do Brasil e da Argentina…porquê? Porque é uma maquilhagem que aqui se utiliza para dragqueens, não é o que se utiliza como moda, como bonito… não é que esteja bem ou esteja mal…, mas não é o meu estilo. Então Brasil é muito influenciado por isso, a classe média usa o olho super marcado, super pestana, pele perfeita marcada pelo contouring, lábios bold… é too much. A classe alta brasileira é aquela que quer parecer perfeitamente branca, com uma pele super perfeita sem nenhuma manchinha, e isso acontece…
A Europa é outro capítulo. A Europa é também muito grande, tenho colegas da Grécia, da Itália, que são muito semelhantes, falando em maquilhagem… e da Escandinávia, que a maquilhagem lá não tem nada a ver com a de cá. É quase transparente. Chamam-lhe class make up, como se não tivesses nada de maquilhagem, super super minimalista. É o make up no make up. Estive em Copenhaga num desfile Viktor & Rolf e tive de maquilhar com os dedos, quase sem usar base... pronto imagina, só um rosinha. Aqui na passarela vês coisas giríssimas, cheias de cor…lá não.
É difícil a maquilhagem, quando se fala de estereotipo de Europa, a Europa é muito grande e também tem muito influência de um lado e do outro.
- Existe um ideal europeu?
Acho que também é aquela ideia… depois quando estás cá vês que não é assim. Mas existe, é uma fantasia. É mesmo do ser humano, acontece em tudo. Até aqui em Portugal. Pensa-se que a mulher francesa se arranja muito e se maquilha muito mais, mas não. O batom vermelho sim, um eyeliner, mais clássico, mais anos 50, mas a mulher mesmo francesa anda com o cabelo mais despenteado do que arranjado. Por exemplo na Rússia as mulheres eram impecáveis, muito arranjadas, mulheres novas já a fazerem cirurgia, a melhorar aqui e ali.
Nós mulheres do Uruguai, não nos maquilhamos muito, não somos muito de moda e de tendências. Mais na capital, é mais de indicação de status: é mais para quem pode, não é para quem quer. A oferta é muito limitada. Aqui não, influência dos EUA, o leque é muito maior. Por isso quando chegas lá, é o mesmo, mas já é diferente, as pessoas reparam nisso.
Cosméticos
- Em termos de cosméticos, que diferenças notas? Quem procura o quê?
A nível de tratamento e de maquilhagem, a mulher portuguesa é muito clássica, vai atrás da marca que a mãe e a avó usavam e só vai usar aquela. Quando apresentamos uma marca nova, a Sephora tem muitas novas e chegou ano passado a onda coreana…por aí conseguimos ver a diferença de faixa etária. As Milleniuns, como chamamos, estão muito mais focadas no exclusivo, nas marcas novas que são mais conhecidas lá fora que em Portugal, e as mulheres mais maduras que procuram o clássico, que conhecem. Querem o seu batom Chanel e não vão sair do batom Chanel, mesmo que o outro seja tão bonito e mais barato.
- Em cosmético? Anti-rugas, clareamento…?
O clareamento aqui já não é tão famoso. Aqui em Portugal a mulher gosta de estar um bocadinho mais bronzeada. Sobretudo varia, dentro de Portugal, de norte a sul. Mais anti-ruga e firmeza, ácido hialurónico…tudo que tem a ver com preenchimento para serem mais novas.
- Falaste de norte a sul. Que diferenças notas?
No Norte as pessoas são mais práticas. Se este é um creme hidratante, tanto dá este como o outro. E acreditam mais no que uma pessoa lhe está a dizer, no momento de aconselhar. Em Lisboa é muito mais cosmopolita. Muita gente vai mesmo com o que diz a influencer. Ela diz que este é bom, ela compra o que ela diz. No Sul, quase que não tens gente portuguesa. 90% a falar inglês, vem da Inglaterra, Alemanha.
- Em Lisboa tens clientes de muitos sítios. Vês algum tipo de tendência de procura consoante a nacionalidade?
Sim, sem dúvida. Muito afro-descendentes, ex-colónias, que aí sim notamos quando houve a crise, que o cliente angolano deixou de comprar. Antigamente saía com a mala cheia de produtos, tratamentos e cosméticos. Depois as asiáticas têm vindo e procuram muito Yves Saint Laurent, sobretudo… porque há uma influencer coreana, que tudo que ela posta esgota. Elas vêm aqui à procura. Não podemos vender mais do que 5, por elas se há em stock podiam levar 100.
- Ao nível de pele?
Mulheres asiáticas procuram branqueamento, sobretudo. Há uma linha da Shiseido que esgota…Shiseido, White Lucent, agora mudou o nome não me lembro…
- São só os asiáticos que procuram isso, Afro-descendentes não?
Não.
- E as mulheres portuguesas…?
Não, essas procuram anti-rugas, sobretudo, firmeza…
- A pele bronzeada não está na moda?
Não, já foi tendência, irá voltar, porque tudo é cíclico e tudo volta, mas de momento não.
De momento, uma pele bem tratada, que não esteja ao sol e seja luminosa.
- Como é que isso mudou? Porque é que de repente apanhar sol já não é moda?
Acho que há uma onda green. Tudo mais ambiente, o que também se reflete na parte da cosmética. Não só mesmo nos ingredientes. Agora a cliente pergunta por marcas veganas, por uma percentagem maior de produtos naturais. Com marcas que têm tecnologia, mas também revertam para o ambiente, como a Clarins, a Guerlain, Dior… que usam óleo rosa de X país, mas depois replantam árvores nesse país. Dar o que estão a tirar à natureza.
A nível de sol sabemos que não é bom para a pele, apanha escaldões.
No Brasil, quem é de classe alta é branco, quer dizer que não tinha de trabalhar no campo.
Maquilhagem e tendências
- No âmbito dos anos da tua carreira, que alterações consegues identificar? O que as pessoas procuram com a maquilhagem?
Procuram sentir-se bem. Em relação a quando comecei como maquilhadora, noto que a mulher portuguesa se cuida mais, investe mais em skin care e maquilhagem e vai à procura das tendências.
- Quais são as tendências?
Isso varia de ano para ano, são cíclicas. No dia de hoje ainda temos uma maquilhagem que varia na faixa etária. Mulheres mais novas buscam aquele estilo de beleza mais Instagram, pele perfeita, olhos marcados, grandes pestanas… Uma mulher madura procura uma pele perfeita, radiante, onde menos é mais, mais natural.
- Notas a diferença em termos de idade e de classe social? Consegue-se perceber a diferença de classes sociais consoante a maquilhagem que elas procuram?
Sim, isso também. Quem é de classe social alta, utiliza menos maquilhagem, pele mais branca e mais perfeita, e vão para altas marcas, no nome da marca. Um batom Sephora é bom, mas o packaging é plástico. Tirar da mala um batom Chanel, Dior, Guerlain…é luxo.
Mas a nível de maquilhagem tudo é luxo. Nós não vendemos nada que seja necessário para viver.
- Notas que as mulheres têm aderido à tendência mais maquilhagem? E nos anos de crise, aquela fase…
A maquilhagem é mesmo um indicador financeiro. Quando há crise, a venda de maquilhagem aumenta…está estudado. Em termos de vendas não vimos muito isso porque não vendemos só make up, mas também fragâncias… Quando há crise o indicador que dispara é o batom vermelho, porque isso faz as mulheres sentirem-se melhor, com mais confiança. Por isso quando uma mulher não pode remodelar a sala, vai comprar um batom vermelho. É aquele prazer, aquele mimo que te faz sentir …
- Achas que há uma beleza natural, autêntica e que a maquilhagem pode ser uma transformação dessa beleza?
Depende do que uma mulher gosta em termos de maquilhagem, isso depende muito da educação que damos aos nossos clientes… e eu faço isso com as minhas clientes, amigas. A maquilhagem não é para esconder ou tapar as nossas imperfeições, a maquilhagem é para evidenciar e fazer sobressair o que temos de bom.
Como pôr um eyeliner num olho caído, eu vou-lhe dizer para usar uma sombra clara, porque eu quero que ela se sinta bem… faça notar e sobressair o que tem de melhor. A maquilhagem quando se usa bem, é para realçar a beleza natural.
- E estas novas tendências das pessoas mais novas usarem uma maquilhagem mais pesada, influência do Youtube, Internet, Instagram?
[A Kardashian foi o boom do contouring..]
As miúdas mais novas veem isto no Instagram e acham que se é assim é fácil. Quando temos uma câmera a maquilhagem não se vê, se vês uma modelo ou uma influencer cara a cara, como está maquilhada para um vídeo… assustas-te. A maquilhagem é mais forte, mais intensa.
Maquilhagem no masculino
- Fugindo para homens: boys wearing make up?
Primeiro, as mulheres estão há anos a lutar pela igualdade de género, por isso que se eles quiserem usar maquilhagem, porque não? Força, vocês podem!
A nível de homem, tenho homens que nunca querem usar, nem cremes hidratantes “mariquices”. É geracional e de masculinidade, é cultural.
Comprei para o meu, um hidratante, que lhe disse que pode usar como after shave. E agora usa, é aquela máquina – a Foreo.
Agora tens o metrossexual, não tem como ser gay, mas cuida muito de si, usa a make up no make up. Demora mais tempo que ela para sair, creme, pentear, corrector…
Depois tens gays, que usam mais maquilhagem que nós, mulheres…pestanas falsas, batom, olho carregado. Acho bem.
Tenho amigos maquilhadores homens ótimos.
- Enquanto Sephora percebem que têm aumentado as vendas para homens?
Sim, sim. Uma das primeiras marcas têm mesmo um pó bronzeador para homem, da Guerlain. Que é um pó mate totalmente sem brilho, mesmo para homens. Vendemos muito. Marc Jacobs também. A embalagem preta, mais masculina, tem produtos unissexo. Tenho visto que as marcas têm adotado esta tendência. Não a Too Faced, por exemplo, que é tudo rosa e brilho. Há marcas que pensam que o seu produto pode ser utilizado, pode ser levado por homem, por isso não vai chamar a atenção.
- Há uma faixa de jovens, mesmo muito jovens que usam maquilhagem e não são gays. Que se maquilham mesmo, não são maquilhagem como nós fazemos, é mais moda.
Isto não é novo, a banda Kiss todos se maquilhavam. David Bowie também.
Nós temos cá coisa que não é nova, não a víamos, mas não é nova… A geração de agora que educa os filhos, tu tens liberdade, acabou tudo, comunismo, ditaduras… tu podes usar o que quiseres. Eu acho que em termos de educação está a mudar. Eu tenho 2 filhos e estava a pintar as unhas à minha filha de 8 anos e ele também quis pintar e eu pintei. Foi para a escola e depois disse-me que era “melhor tirar porque os meus coleguinhas estavam a rir-se de mim” … e eu pronto, se tu queres deixar podes deixar, tem 6 anos.
- Os rapazes de 16 anos usam imenso, de preto. É aquela coisa rocker. Ok, não é cor de rosa…
Antes uma mãe dizia “isto é para meninas”. Eu como mãe agora não, “experimenta, faz”.
Biotecnologias e procedimentos estéticos
- Marketing e cosmética, o que valorizam mais? Tempo, 10 em 1, 15 em um? O que mudou em termos de cosmética e que as pessoas procuram?
Isso varia dependendo da idade da pessoa que procura. Uma procura que seja mais madura vai procurar o tudo em um, porque não tem tempo, é manhã, uma coisa mágica.
Quem vai à procura do nome é aquela Millenial que está mais influenciada pelas redes sociais, que quer o que a Kim Kardashian usou na gala MET, ou a nível local o que a Helena Coelho mostrou no vídeo. Tem vindo a variar, o que há a nível de marketing. Se uma marca põe as influencers a falar que aquilo é bom, todas vão querer porque neste momento, a gente é muito mais influenciável do que antigamente, mais uma vez pela parte da Internet e da globalização. Antigamente, compravas uns ténis, eram Nike, eram ótimos. Dava. Agora queres coisas especificas. Sobretudo as crianças, estão em termos de materialismo, que quanto mais tiverem e melhor de marcas vão ser mais felizes. Isto está a falhar. E passa pela cosmética e pela vida.
- E para complementar a pergunta. Usamos muito as biotecnologias. A ideia de associar o laboratório na Suíça por exemplo…ou seja usar a linguagem de inovação científica de ponta atrai a pessoa?
Atrai, a comunicação usa isso. Quando usas essa linguagem atrai mais, a cliente vai pagar mais, porque estão a demonstrar que querem pagar por essa tecnologia. Estão dispostos a pagar porque acreditam que essa tecnologia está por detrás.
-As clientes falam muito de procedimentos estéticos?
Cada vez mais. Antigamente era tipo um tabu. Tu vias que tinha a cicatriz atrás da orelha, ou que vinha com derrames da cirurgia que tentava tapar…mas agora não. Agora porque os influencers fazem e mostram essa mudança ao vivo. Mesmo com o penso no nariz. Já se banalizou, já não é tabu. Cada vez fazer mais para se sentir bem e se sentir bonita.