A beleza na visão da mais conceituada Make-up Artist de Portugal EXCEL no ateliêr da Antónia Rosa
Por Chiara Pussetti e Isabel Pires
Antónia Rosa é a mais conceituada Make-up Artist de Portugal. Não só trabalha com a beleza, mas questiona e debate os seus critérios. Antecipa tendências, reflete sobre a relação entre estética, saúde e bem-estar e consegue destrinçar os diversos discursos e narrativas que definem os ideias estéticos, hoje. Antónia Rosa nasceu e cresceu em Paris. Absorveu da cidade da luz e da moda toda a elegância que a caracteriza. Como nos revelou, a sua paixão por pinceis começou por ver a mãe a maquilhar-se todos os dias. Em 1987 tirou um curso de maquilhagem na Carita Paris e um ano depois estava em Lisboa. Desde aí o seu percurso profissional e a moda fundem-se, comandando os bastidores de maquilhagem da Moda Lisboa desde a sua primeira edição.
Os rostos da moda em Portugal tem a sua assinatura.
Sempre com um olhar crítico, tem observado como os conceitos de beleza, corpo e atração têm mudado nos últimos anos em Portugal. Entre noite, música, a primeira loja de discos importados, moda, acompanhou e definiu as tendências da beleza, da cosmética e do glamour das últimas décadas. Ela própria antecipou estas mudanças, procurando novas cores e texturas, introduzindo em Portugal produtos biológicos, maquilhagem vegan e cruelty free, cruzando o cuidado da pele com a preocupação com o sistema, o ambiente, os animais.
No projeto EXCEL exploramos as dimensões do corpo em mudança e refletimos sobre as práticas que definem o trabalho da beleza hoje em Portugal. O que é um corpo atraente, belo ou ideal? Que técnicas, mais ou menos invasivas, mais simples ou complexas estamos dispostos a fazer para o alcançar? O queremos hoje, para estar no nosso “melhor”? Ainda temos padrões dominantes e ideias hegemónicas sobre a beleza e o corpo? E o que papel teve e hoje tem a moda, a maquilhagem, a produção e publicidade nos nossos conceitos pessoais?
Questionamos Antónia para nos dar a sua impressão deste mundo em mudança.
O ideal de beleza atual
- Qual o paradigma de beleza e maquilhagem que hoje é proposto?
Muito difícil. Nós somos europeias e perdemos isso. Estamos americanizadas ao máximo. Isto do Youtube... perdemos a noção do que é ser sofisticado. É um trabalho que estou a fazer há 30 anos, usar pouca maquilhagem, no sítio certo. Sabes o eyeliner e o batom vermelho? Perdemos isso. O eyeliner já não é sozinho, é com montes de sombras, e as sobrancelhas demasiado. É um modelo de beleza que não é nosso... carregado, é mau. É o que se chama Kardashianização... a Kardashian foi ao teatro, buscar a maquilhagem de teatro e pôs na rua, o que é um bocado inviável acontecer... muito mau o que está a acontecer à nossa sociedade, nos, mulheres estamos a ficar vulgares.
- Qual é para ti o padrão ideal de beleza de mulher?
Para mim uma mulher tem de ser... eu não concebo uma mulher em casa, tem de ser ativa. A cirurgia estética ajuda a mulher a ser jovem, a ter um espírito jovem. Mesmo a envelhecer, envelhece muito melhor agora... temos esse suporte. Para mim a mulher ideal usa pouca maquilhagem, exatamente no sítio onde tem de ter e dar saúde. Para dar saúde e não para seduzir. Para ser uma mulher ativa, saudável, jovem o mais tempo possível, com estilo. A beleza é um trabalho, que é preciso aprender. Uma mulher tem que se arranjar desde os 15 anos, ter bom gosto desde os 15 anos, que é quando começa a fazer a sua personalidade, e não sair do caminho dela. Não é por se usar um eyeliner até às orelhas que eu tenho de usar (gargalhada)... Hoje em dia tudo é permitido... mas vamos ter que pôr limites. O limite já foi muito ultrapassado... Antigamente o Salazar esmagava as mulheres, foi muito rápido... quem usava batom vermelho era uma prostituta. De repente em poucos anos as pessoas parece que se libertaram, chegaram referências diferentes... e agora o mau gosto está instalado em Portugal. Internet tem muita culpa nisso, abriu-se tudo... e de repente toda a gente faz filmes, é maquilhador, é cabeleireiro... toda a gente sabe de tudo... e as mulheres ficam baralhadas.
- As mulheres procuram mais a beleza? O conceito de beleza está diferente?
O conceito de beleza está na moda, mais do que outra coisa, e as pessoas querem à força toda estar na moda.
- Há uma pressão para as pessoas estarem sempre bonitas?
Eu acho que sim, que há uma pressão muito grande. E quem não tem acesso à estética fica aquém. Quando as pessoas perguntam a minha idade e eu digo, elas ficam “mas o que é que ela fez?”. Eu digo “fiz isto, isto e isto” e elas querem logo também fazer. Porquê? Há aquela pressão.
- Podemos dizer que estamos numa fase que só é feio quem quer?
Depende da cultura que se apreendeu em casa, do que os pais transmitiram.
Eu tenho uma visão da beleza porque nasci e cresci em Paris. Até aos 18 anos lá, vi a minha mãe maquilhar-se todos os dias, é uma coisa normal. O bom gosto, também tratei disso. As pessoas não fazem isso, veem as pessoas ao lado e querem ser assim. Não há um trabalho de pesquisa, há um trabalho de imitação. Há essa síndroma pela Internet, pelo Youtube. Internet por um lado é uma coisa boa, porque projetou as pessoas para outra esfera onde se pode fazer milhares de coisas.
A maquilhagem como cuidado
- As mulheres que aplicam maquilhagem no dia a dia, elas procuram o quê? Transformações?
Há vários tipos, as mulheres que se sentem bem em casa, com um marido ótimo, uma família ótima... sente-se bem, é amada. Essa mulher não vai procurar uma coisa para ser diferente ou uma personagem. Ela vai querer ser ela. Porque ela é feliz e bem com ela. Depois há outra mulher, a desequilibrada. Ela não vai querer ser ela.
- Em termos de pele e maquilhagem, o que é que as pessoas procuram? Pele clara e luminosa?
Eu trabalho cor contra cor. As pessoas procuram-me muito pelo meu trabalho de pele, eu só quero que se veja o trabalho da maquilhagem, olhos, lábios. Eu faço uma pele que não se nota nada, uma pele perfeita.
- Em termos de pele bronzeada, achas que se está a alterar? A pele mais clara...
O que está a acontecer em Portugal e no mediterrâneo é que não apanham sol como apanhavam antes. Eu acho que há uma preocupação com o sol muito maior. Agora temos bases com 50 SPF para podermos ir à praia. Agora é muito forte a questão da despigmentação...mas são tratamentos muito fortes que não são bons para a pele.
- Consideras que há uma beleza natural e autêntica?
Sim, existe.
- A maquilhagem é uma espécie de truque ou de engano?
Não, é uma aliada. Quem sabe usar maquilhagem é braço dado.
- A maquilhagem é uma intervenção superficial ou profunda?
Depende dos casos. Eu por exemplo, para pessoas com vitiligo muito forte, a maquilhagem é um aliado, mas para uma miúda com 12 que vai maquilhada para a escola, não acho bem. Usar a maquilhagem para um fim otimista.
- Que mulheres te procuram, tirando uma grande ocasião, casamento...?
Tem de tudo. Tem pessoas com cancro que vêm cá ver o que podem fazer. A maquilhagem pode ajudar muito gente. Às vezes vou ao IPO |Instituto Português de Oncologia| onde a maquilhagem pode ser utilizada para sair de situações muito graves. Vêm cá |ao estúdio| estão “lá no fundo” e saem daqui já com o ego... não é só a maquilhagem, é também a Antónia a falar.
A Moralidade da e na estética
- O natural tem de ser mais valorizado que o artificial? Em que situação?
Acho que sim, no geral. Há casos que não, usar a maquilhagem mais como caracterização. Doença de pele, vitiligo muito forte... O mercado também está a abrir para esse lado.
- Nunca reparaste em julgamento morais: “que mulher tão gira, mas é artificial?”
A nossa sociedade é muito crítica. Cada um tem os seus conceitos.
- Não confessam, que fizeram preenchimento...
É cultural, a tendência é sempre fingir que não alteraram nada... Isso são os pais, é educação, de meninas deviam sair pela janela de casa e não diziam aos pais (gargalhada)... São atitudes, preferem não dizer do que assumir. Mas conheço mulheres que dizem. Eu também fiz, não tenho vergonha nenhuma. Nós estamos a utilizar o que a nossa época nos dá e eu acho maravilhoso.
- Uma mulher empoderada assume?
Sim, claro. Não há milagres.
- Na vida profissional de uma mulher, o aspecto ajuda? O não envelhecer?
É muito claro que no meu meio as pessoas têm de estar à frente. Eu sei que se eu não cuidar de mim, pode prejudicar o meu trabalho. Assim as pessoas não sabem que idade é que eu tenho. “Que idade é que ela terá?” E eu fico contente com isso. Se eu cheguei aqui é porque tratei de mim. Todos me perguntam “quem é o teu médico? Posso lá ir?”
Trends de beleza em Portugal
- Há diferença entre atitude de portuguesas e brasileiras?
A brasileira é muito mais solta, o Brasil é muito a frente, sexualidade, beleza...mas também há excesso de tudo. A brasileira é muito exagerada, nos tratamentos de cabelo por exemplo, é pouco natural, são extensões…
- Trouxeram uma serie de trends novos que nos não estamos habituados a isso?
Sim, e quem adotou isso foram as pessoas suburbanas, as que vivem na periferia.
Por isso vês tanta gente, com unhas enormes, extensões, maquilhagem carregada. Trabalham em Lisboa, mas moram na periferia. E é o mesmo em Paris, são os vizinhos, as pessoas juntam-se, assemelham-se.
- Ser sempre tudo igual. Nota-se isso na moda? Há uma beleza hegemónica e somos todos cópia dela?
Há várias modas. Eu sou uma pessoa habituada a trabalhar com pessoas com extremo bom gosto, recuso tudo o que não tem nada a ver comigo. Sou uma pessoa um pouco dúbia para falar nisso.
- E aquilo que tu vês? Há uma beleza que é mais procurada? Nas modelos, quem trabalha mais?
Temos muitos estereótipos, há determinados padrões. Os estilistas gostam de uma modelo 34 escanzelada. Mas hoje em dia está tudo misturado, nós queremos vender a toda a gente. Eu quero ter um leque gigante de mulheres. A mulher pode ter qualquer look mas tem de ser com bom gosto.
- Em termos de moda há uma grande mistura. E a procura do exotismo?
A moda é isso, estarmos sempre à procura de coisas diferentes. A abertura das fronteiras. Há belezas novas, há montes de coisas novas e diferentes, podemos transformar. Neste momento vale tudo.
- Quando uma mulher te pede para ficar mais bonita? Diz uma característica, nariz, lábios...?
Muitas vezes é tapar anomalias. Se ela quer mudar o nariz, eu faço, mas não sei se vai sair à rua. Mas a mim não me pedem nada disso, pedem para as por bonitas e com dez anos a menos, com uma boa pele.
- Em relação à pele negra: mulheres negras de pele escura e mulheres negras de pele clara têm as mesmas possibilidades de trabalhar?
Não, não. É muito diferente. Quanto mais escura menos trabalha em Portugal. Existe muito racismo, quantas mulheres negras vês em capas de revista? Uma ou duas... Portugal é ainda um pais muito racista, infelizmente.
- E técnicas underground de clareamento de pele?
Tudo muito mal e cancerígeno. Sim, isso existe. Em França, com Sonasol para aclarar ou lixivia. Em Paris nota-se muito isso, mais do que cá. Assisti a pessoas com pele a cair. Mas fazem, fazem muito. Especialmente neste mundo, sabes, a imagem é tudo e a gente precisa de trabalhar... No meu trabalho não há nada disso. A pele negra pode-se trabalhar muito bem, mas há poucas maquilhadoras que sabem fazer isso. Eu dou formações específicas para que se aprenda a dar o máximo na pele negra, a trabalhar bem, sem que a pele fique cinzenta. Base mais clara, em sítios específicos, é o countouring... isso dá, é teatral. Só com as peles negras dá para fazer countouring... A africana é que me pede countouring, elas têm sorte, pele maravilhosa, na pele delas casa muito bem, nas nossas peles não funciona assim tão bem.
Beleza na crise
Antónia Rosa acaba a entrevista mostrando os produtos que usa e escolhe e partilhando planos para um próximo passo da sua carreira, uma clínica no centro de Lisboa, planos estes que serão em breve anunciados e acompanhados pela nossa equipa. Um futuro próximo no qual beleza, cuidado de si, saúde psicofísica e bem-estar tornam-se quase sinónimos, evidenciando a profunda ligação que existe entre aparência e essência. Procurar a beleza significa também, no discurso da Antónia, redescobrir a saúde, a harmonia na vida, cuidar de si e das próprias relações, a qualquer idade e em qualquer fase da vida.
O business da beleza e a economia do wellness não conhecem crises e desafiam qualquer momento de recessão. O cuidado com o corpo e com a beleza aumenta em tempos de recessão. Um exemplo famoso foi o da grande crise económica de 1929, quando os batons tiveram um incremento de vendas único na história. Este fenómeno, amplamente documentado em muitos outros contextos que passaram por crises financeiras ou políticas foi definido pelos economistas lipstick effect o ‘efeito batom’ e também ocorreu após a recessão de 2000, a tragédia de 11 de setembro nos Estados Unidos e na última crise económica de 2008 e em tempos de ‘desconfinamento’ pós-COVID-19. As motivações são múltiplas e bastante intuitivas: melhorar a autoestima e a autoconfiança, criar uma impressão agradável, ter boa aparência profissional, aumentar o poder de atração sexual, as hipóteses de sucesso social, a sensação de estar a cuidar de nós próprios e a autovalorização. Hoje, obviamente, as pessoas não se consolam somente comprando um batom, porque temos à nossa frente um mercado acessível de possibilidades de melhoramento quase ilimitadas .
Make-up e tratamentos estéticos têm um papel social e um valor de suporte psicológico importantes. As crises, assim como a pandemia, não mudaram os hábitos de compra desses produtos, porque - como muitas das nossas entrevistadas sustentam: “não se pode e não se deve renunciar à beleza, principalmente em momentos de dificuldade”. Os produtos de beleza são um autêntico antidepressivo na imaginação coletiva. Cuidar da própria aparência significa afastar de si durante uns momentos o medo e a ansiedade. O cuidado gratifica e alivia, mesmo que momentaneamente, o sentimento de angústia devido à incerteza no futuro. Não é um caso que, como também foi para as vendas de antidepressivos e ansiolíticos, as vendas de produtos e tratamentos estéticos aumentaram depois da crise económica e nesta fase de incerteza devido à pandemia de COVID-19.